domingo, 16 de outubro de 2016

POEMA JOSÉ - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

José 

Carlos Drummond de Andrade 


E agora, José? 
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José? 
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já  não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua bilbioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
  
Carlos Drummond de Andrade
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Escrito durante a Segunda Guerra Mundial e da ditadura de Vargas, José, apesar da dureza, ainda tem o impulso de continuar seguindo. Mesmo sem saber para onde...


POSTADO POR: PROFESSORA CIDÁLIA

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